Consciência Negra: quando o cabelo desperta a memória, a história e os futuros
Reflexão sobre o Dia da Consciência Negra: o legado de Zumbi e Dandara, a resistência quilombola e o poder do cabelo como portal de memória, identidade e futuros mais justos.
TRAJETÓRIA
Amanda Coelho
11/20/20254 min read


Hoje, no Dia da Consciência Negra, eu retorno para um lugar que sempre me atravessou profundamente: o da consciência que nasce a partir do cabelo. Sim, do cabelo. Desse trançado, adornado que me acorda para mim mesma, dessas formas que carregam histórias, desses penteados que fortalecem legados e raízes ancestrais, mesmo quando parte dessa história foi violentamente interrompida ou passa por tentativa de ser apagada.
Para mim o cabelo é um portal.
Um portal de identidade, de pertencimento e de continuidade.
Por que celebramos o Dia da Consciência Negra em 20 de novembro
É importante lembrar por que essa data existe.
O 20 de novembro marca legado de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência negra no Brasil. A data se tornou um convite para reconhecer a luta, a organização e a inteligência política dos povos africanos e afro-brasileiros que construíram caminhos de liberdade mesmo sob violência.
Zumbi representou a recusa à escravização e a afirmação da autonomia.
Dandara, sua companheira foi fundamental, liderança militar, estrategista e guardiã da liberdade, combatendo colonizadores, organizando defesas e preservando modos de vida
O 20 de novembro não é sobre morte:
é sobre vida, memória, continuidade e celebração dos quilombos os de ontem e os de hoje.
É lembrar que resistimos.
É lembrar que criamos.
É lembrar que seguimos.
E é, sobretudo, celebrar o legado que nos atravessa e nos fortalece até agora.
Foto Zumbi dos Palmares


Quando o cabelo se torna memória viva
É impossível falar de consciência negra sem falar das tentativas de apagamento: das nossas estéticas, línguas, dos nomes, dos territórios, das famílias e dos símbolos. Contudo, mesmo diante das violências do colonialismo, tecnologias ancestrais resistiram entre elas, os penteados.
Tranças, adornos, Mayakas e texturas sempre foram formas de comunicação entre os povos africanos e originários . Marcam etnias, histórias familiares, funções dentro da comunidade, fases da vida. São mapas, elinguagens, códigos, belezas...
Por isso, quando trançamos hoje, não estamos apenas criando estética: estamos reativando um arquivo de memória que nunca se apagou completamente. Ele ficou ali, adormecido, esperando ser reativado pelo toque, pelo gesto, pela consciência.
Foto Ubira Machado


Da resistência ao orgulho
A estética negra sempre foi política.
No Brasil e no mundo.
Na década de 1960, o Movimento Black Power ressignificou o cabelo crespo, criando uma estética de orgulho e enfrentamento ao racismo. No Brasil, os movimentos de valorização da negritude, incluindo o Movimento Negro Unificado (MNU), as juventudes dos bailes black e mais tarde a Geração Tombamento, ampliaram essa potência — mostrando que existir em beleza é, também, uma forma de luta.
Amar o próprio cabelo corpo território , foi e ainda é romper com a narrativa colonial de apagamento e marginalização dos nossos corpos.
Hoje, ver uma criança, um jovem ou um adulto, uma pessoa velha com seus cabelos naturais, trançados ou adornados é testemunhar uma retomada e para além construir junto essa retomada . Isso me nutre intensamente, saber que temos muitas referências e podemos nos inspirar e nos impulsionar .


Consciência que começa pela imagem
A consciência negra, para mim, nasce primeiro pela imagem.
Não só pela imagem que vemos no espelho, mas pela que reconhecemos dentro de nós.
Quando eu caminho dentro desses portais da beleza negra, quando vejo um trançado ganhar forma, quando sinto um adorno se assentar na cabeça, eu testemunho algo que é maior do que estética: é comunicação. É comportamento. É espiritualidade. É linguagem.
É o convite para entrar na subjetividade de quem se é.
Por isso, ter consciência negra também é entender que nossa estética é uma tecnologia ancestral que atravessou séculos de opressão e que hoje sustenta discursos de afrofuturismo, decolonialidade, maximalismo, minimalismo e tantas outras linguagens contemporâneas que surgem a partir da necessidade de existir e fomentar o bem viver !
Celebrar o Dia da Consciência Negra é celebrar a força de quilombos inteiros.
É honrar Zumbi, Dandara e todas as lideranças negras que resistiram, cuidaram, criaram estratégias, preservaram saberes e abriram caminhos.
É lembrar que nossos corpos, nossos cabelos e nossas estéticas carregam essa fortes herança.
Somos continuação de um projeto de liberdade que nunca deixou de existir.


Caminhar para futuros mais justos
Se a história foi fragmentada, a moda tem sido um caminho de reconexão.
Quando trançamos, quando adornamos, quando nos vestimos , celebramos e, estamos construindo futuros mais abrangentes e justos para nós mesmos.
Estamos lembrando quem fomos.
Estamos afirmando quem somos.
Estamos projetando quem podemos ser.
E isso, para mim, é consciência.
Uma consciência que nasce da cabeça para o mundo.
Uma consciência que me move, que me dá orgulho e que me faz continuar testemunhando que nossos cabelos, nossa estética de modo geral são narrativas vivas, são mapas de futuro, são portais de liberdade.
