Orí Erê: estética e infância, como o cuidado e a beleza educam
A estética também educa, refletimos sobre como o afeto, a ancestralidade e o cuidado podem transformar a forma como as crianças aprendem, se reconhecem e constroem pertencimento. Uma leitura sobre beleza, educação e identidade.
Karoline Stephanie - Coordenadora de Mídias
10/16/20255 min read


Como a estética se torna linguagem de afeto, pertencimento e transformação.
Foto: Juracy do Vale/ Projeto Vaga Lume
A infância é o primeiro espelho do mundo. É nela que aprendemos o que é belo, o que é possível e o que é digno de ser cuidado. Mas, para muitas crianças negras, esse reflexo é distorcido desde os primeiros anos de vida.
Nas creches e escolas infantis, o racismo se infiltra em gestos sutis, nas ausências e nas palavras. A falta de representatividade nos livros, os apelidos que ferem e os silêncios diante da diferença compõem um cenário onde a estética e a identidade negra são frequentemente invisibilizadas.
Um estudo da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e do Itaú Social (2023) revelou que 89% das turmas de creche e pré-escola no Brasil não possuem aprendizados relacionados à educação étnico-racial. E em 70% dessas turmas, não há materiais pedagógicos que representem diferentes origens étnicas.
Ou seja: a infância negra ainda cresce sem se ver, sem se reconhecer, sem se celebrar.


Itaú Social/Divulgação: O estudo concluiu que as crianças participaram de aproximadamente 11 mil horas de atividades sem enfatizar as questões raciais
O reflexo que o racismo produz.
“Há muitas denúncias de crianças que não são respeitadas na sua identidade étnico-racial. Nos momentos em que a questão da identidade se coloca, ela é quase sempre tratada de forma negativa. Essas crianças não são identificadas e não recebem a mesma relação de afeto que as crianças brancas recebem.”
— Lucimar Rosa Dias
A doutora em Educação e Diversidade Étnico-Racial Lucimar Rosa Dias, coordenadora do grupo de estudos ErêYá, lembra que a educação infantil acontece a partir das interações e brincadeiras, e é nesse campo simbólico que o racismo institucional se manifesta.
Quando uma criança negra penteia o cabelo de uma boneca que se parece com ela, algo profundo acontece. Ela aprende, desde cedo, que seu corpo é bonito, que seu cabelo é arte e que cuidar de si é um ato de amor e ancestralidade.
Recentemente, a influenciadora Aline Nicomédio (@linenicomedio) viralizou com um vídeo emocionante da pequena Dandara, sua filha de dois anos, elogiando sua boneca “Taís Araújo”. Esse momento de ternura revela o poder da representatividade, e como o amor-próprio pode (e deve) ser ensinado dentro de casa.
É também o que motiva ações como as oficinas de tranças para crianças, que unem estética e identidade. Previstas pela Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, essas vivências contribuem para a formação de uma autoestima saudável e para o combate ao racismo desde a infância.


imagem: Prévia da Coleção Ori Erê
O documento “Racismo, Educação Infantil e Desenvolvimento na Primeira Infância” (NCPI, 2021) descreve que os impactos do racismo na infância vão muito além do psicológico. Aparecem na rejeição da própria imagem, na baixa autoestima, na dificuldade de socialização e até em sintomas de estresse e ansiedade. Feridas que atravessam gerações, mas que também podem ser curadas com afeto, educação e representatividade.
Estética como afeto e resistência
“É importante compreender a complexidade que envolve o processo de construção da identidade negra em nosso país.”
— Parecer CP 2024, Ministério da Educação
Orí Erê: sementes que curam, educam e transformam
A nova coleção Orí Erê nasce do desejo de compartilhar saberes e unir estética, ancestralidade e educação. Ela é um gesto de reconexão com a infância e com as tecnologias ancestrais que moldam o nosso modo de existir no mundo. Mais do que adornos, as peças da coleção são mensagens simbólicas de semeadura. Cada mayaka, cada semente, cada trançado carrega em si uma lição: que a beleza é comportamento, convivência e aprendizado. Que o ato de cuidar do outro é também uma forma de educar, e que a estética pode ser uma ponte entre gerações.
Cada peça é produzida artesanalmente, com atenção à origem dos materiais e ao impacto social de cada escolha. Assim, a Orí Afrofuturo reafirma o compromisso com a moda circular, o consumo responsável e a valorização do trabalho manual, reconhecendo o tempo, a memória e a energia de quem cria.


Inspirada na semente de açaí, símbolo de vitalidade, ancestralidade e abundância, a coleção Mayakas Erês e Curumins celebra a infância negra e a força criadora que habita nela. As sementes usadas nos adornos são colhidas de forma sustentável, respeitando o ciclo natural da floresta e valorizando comunidades que vivem do extrativismo consciente.
imagem: pé de açaí


A coleção convida mães, pais, educadores e cuidadores a participarem de um movimento coletivo de afeto e aprendizado. Os penteados e adornos não são apenas expressões estéticas, são ferramentas de diálogo e educação.
Enquanto trançamos, também aprendemos a olhar o outro, a olhar para si, a olhar o território em que vivemos. Trançar é escutar o tempo. É resgatar saberes e reconhecer os próprios caminhos. É transformar o cuidado em linguagem, e a estética em uma forma de ensinar respeito, empatia e pertencimento.
Penteados que contam histórias
imagem: Oficina Penteados Sesc Ipiranga e Itaquera (2020)
Estética como educação
O Orí Erê amplia o diálogo entre moda, estética, educação e ancestralidade. Falar sobre cabelos e adornos é falar sobre histórias, sobre como aprendemos a perceber a beleza e sobre o quanto ela pode nos ensinar. Trabalhar a estética é, portanto, uma forma de educar o olhar.
imagem: Editorial Penteados Ori Erê, 2020
por Amanda Coelho
Artista capilar, educadora e fundadora da Orí Afrofuturo, projeto que une moda, ancestralidade e sustentabilidade para criar caminhos de transformação.
Queremos criar espaços onde crianças negras e não negras aprendam juntas o que significa respeitar as diferenças e valorizar a pluralidade de corpos, texturas e modos de ser. Porque o verdadeiro futuro é aquele em que todos os espelhos refletem diversidade, dignidade e liberdade.
O que vem por aí
Com o lançamento da coleção, a Orí Afrofuturo também continua o ciclo de formações e oficinas que relacionam penteados, ancestralidade e educação. Essas vivências mostrarão como o ato de trançar pode fortalecer autoestima, identidade e consciência social. A Orí Erê é uma semente plantada em muitas cabeças, para florescer em novas infâncias, novos imaginários e novos mundos.